Treinamento Excêntrico de Isquiotibiais no Comprimento Longo: A Estratégia Definitiva para Prevenção de Lesões e Ganho de Força

A lesão muscular dos isquiotibiais é o pesadelo de qualquer atleta, especialmente em esportes de alta velocidade como futebol, atletismo e rugby. Frequentes e com alta taxa de reincidência, elas comprometem o desempenho e afastam o jogador do campo. O ponto mais crítico é que a maioria dessas lesões acontece quando o músculo está no seu comprimento mais longo, geralmente durante a fase final da corrida de sprint. Por anos, o foco do treinamento excêntrico (como o popular Nordic Hamstring Exercise - NHE) tem sido em comprimentos musculares mais curtos. Mas o que aconteceria se treinássemos o músculo exatamente na posição onde ele é mais vulnerável? Uma recente e importante pesquisa científica avaliou um protocolo de seis semanas de treinamento excêntrico de isquiotibiais no comprimento longo, combinando exercícios que trabalham tanto a flexão do joelho quanto a extensão do quadril. Os resultados? Transformadores. Este novo olhar oferece uma estratégia de prevenção e reabilitação significativamente mais eficaz, impactando profundamente a arquitetura muscular e o desempenho funcional.

Lino Matias

12/2/20255 min read

Lesões de Isquiotibiais: O Calcanhar de Aquiles do Atleta

A fragilidade dos isquiotibiais reside na sua função biarticular e no momento de maior exigência mecânica.

Em esportes que envolvem corrida em alta velocidade, como no futebol, o músculo se alonga ao máximo. É nessa fase, conhecida como fase de balanço final (late swing phase), que as unidades músculo-tendão absorvem a maior quantidade de energia.

A falha do músculo em tolerar essa tensão e absorver essa energia no comprimento longo leva à temida lesão. Se uma estratégia de treino focar em fortalecer o músculo justamente nesse ponto, o risco de lesão diminui drasticamente.

O grande desafio sempre foi encontrar exercícios acessíveis que permitissem o fortalecimento excêntrico com a máxima elongação muscular.

O Segredo do Treinamento Excêntrico para Fortalecer na Posição de Risco

O treinamento excêntrico é reconhecido como o mais eficaz para alterar fatores de risco de lesão, como o aumento da força excêntrica e do comprimento do fascículo muscular. No entanto, a execução tradicional de exercícios como o NHE não leva o isquiotibial a um comprimento semelhante ao atingido durante o sprint.

Isso acontece porque o NHE é realizado com o quadril em posição neutra (0° de flexão), limitando o alongamento dos isquiotibiais.

A solução, adotada neste estudo, foi a implementação de uma abordagem mais holística, que exige que os atletas fortaleçam o músculo em um estado de alongamento máximo.

Este protocolo de seis semanas utilizou dois exercícios-chave para garantir que tanto a função de flexão do joelho quanto a de extensão do quadril fossem trabalhadas de forma excêntrica e intensa no comprimento longo.

Os Exercícios Chave do Protocolo de Comprimento Longo

Este protocolo é notável por utilizar exercícios simples, viáveis e amplamente acessíveis, ao contrário de intervenções anteriores que dependiam de equipamentos isocinéticos caros.

1. Nordic Hamstring Exercise (NHE) Modificado

  • Foco: Predominantemente flexão do joelho (exercício dominante de joelho).

  • Ajuste: É realizado com uma flexão de quadril mantida em cerca de 75°, o que pré-alongava o isquiotibial.

  • Benefício: Essa modificação permitiu uma amplitude de movimento total significativamente maior e torques mais altos no joelho e quadril, aumentando o estresse positivo na unidade músculo-tendão.

2. Glider Exercise (Askling L-protocol)

  • Foco: Predominantemente extensão do quadril (exercício dominante de quadril).

  • Natureza: É um exercício unilateral onde a perna de apoio é carregada excentricamente enquanto a outra desliza lentamente para trás.

  • Benefício: O Glider permite a máxima elongação dos isquiotibiais, atingindo ângulos de flexão do quadril muito próximos aos observados no sprint.

Resultados da Pesquisa: Adaptações Arquiteturais Favoráveis

O treinamento excêntrico no comprimento longo demonstrou um impacto significativo nas características arquiteturais do Bíceps Femoral Cabeça Longa (BFlh), o músculo mais frequentemente lesionado. Tais adaptações são cruciais para a prevenção de lesões.

O Aumento no Comprimento do Fascículo Muscular

O comprimento curto do fascículo é amplamente reconhecido como um fator de risco modificável para lesões dos isquiotibiais. O aumento desse comprimento permite que a fibra muscular tolere maior alongamento antes de ser danificada.

  • Resultado: O protocolo de seis semanas resultou em um aumento significativo de 6,9% no comprimento do fascículo do BFlh.

  • Magnitude: A magnitude deste efeito (d=1.12) foi considerada alta e comparável, ou até superior, aos ganhos observados em protocolos tradicionais de comprimento curto.

A Mudança no Ângulo de Penação

Outra alteração arquitetural importante é o ângulo de penação, que é o ângulo entre a fibra muscular e a aponeurose. Uma mudança neste ângulo tem implicações diretas na capacidade do músculo de produzir força e alterar o seu comprimento.

  • Resultado: Houve uma diminuição significativa de 12,9% no ângulo de penação do BFlh no grupo de intervenção.

  • Implicação: Essa redução, juntamente com o aumento do comprimento do fascículo, sugere uma reestruturação do músculo que o torna mais tolerante a grandes amplitudes de movimento e capaz de absorver mais energia, reforçando a prevenção.

Ganhos Funcionais: Força e Ativação Neural Potencializadas

Além das modificações estruturais, o protocolo de treinamento excêntrico no comprimento longo gerou melhorias substanciais e clinicamente relevantes nas características funcionais dos isquiotibiais.

Explosão de Força Excêntrica e Isométrica

O aumento da força excêntrica é um pilar da prevenção de lesões. O treino foi eficaz em melhorar a força medida em diferentes cenários.

Os resultados notáveis de ganho de força no grupo de intervenção incluíram:

  • Aumento de 24,8% no torque de pico do NHE (força excêntrica específica).

  • Aumento de 14,6% no torque de pico excêntrico isocinético a 60°/s.

  • Aumento de 14,0% no torque de pico isométrico de flexão do joelho.

  • Aumento de 15,3% no torque de pico concêntrico a 60°/s.

O torque de pico do NHE, em particular, é um preditor significativo do risco de lesão dos isquiotibiais. A melhora substancial neste indicador reforça o valor prático do protocolo.

Maior Controle e Ativação Voluntária

Uma descoberta inovadora e crucial deste estudo foi a mudança no componente neural do desempenho muscular.

A capacidade de ativar voluntariamente um músculo (o chamado nível de ativação voluntária) é a expressão do drive neural que o cérebro envia para as fibras musculares. Um déficit nesse drive está associado a problemas de longo prazo após uma lesão.

  • Resultado: O protocolo gerou um aumento de 9,8% no nível de ativação voluntária dos isquiotibiais.

  • Implicação: Este resultado sugere que os ganhos de força observados (isométrica, concêntrica e excêntrica) são, pelo menos em parte, uma consequência direta da melhoria do controle neural e do recrutamento de unidades motoras.

Implicações Práticas: Da Prevenção à Reabilitação

Este estudo provou que o treinamento excêntrico de isquiotibiais no comprimento longo, utilizando exercícios como o NHE Modificado e o Glider, é uma estratégia de prevenção extremamente eficaz.

O protocolo demonstrou que é possível induzir:

  • Adaptações arquiteturais (aumento do comprimento do fascículo).

  • Adaptações funcionais (aumento da força excêntrica e isométrica).

  • Adaptações neurais (aumento da ativação voluntária).

Ao visar o fortalecimento no comprimento longo, o treino ataca diretamente a causa mais comum das lesões, aumentando a capacidade do músculo de suportar a fase de sprint.

Portanto, a inclusão desses exercícios na rotina de atletas de esportes de velocidade é altamente recomendada como uma estratégia de prevenção de lesões musculares e como um componente valioso em programas de reabilitação de isquiotibiais.

Conclusão

O protocolo de treinamento excêntrico no comprimento longo representa um avanço significativo na ciência do esporte. Ele oferece uma abordagem robusta e baseada em evidências para otimizar a estrutura e função dos isquiotibiais. É hora de priorizarmos o fortalecimento do músculo no seu comprimento máximo para proteger o atleta e liberar o seu potencial máximo de performance.

REFERÊNCIA: Marušič J, Vatovec R, Marković G, Šarabon N. Effects of eccentric training at long-muscle length on architectural and functional characteristics of the hamstrings. Scand J Med Sci Sports. 2020 Nov;30(11):2130-2142. doi: 10.1111/sms.13770. Epub 2020 Jul 30. PMID: 32706442.