O Segredo da Dor no Joelho ao Descer Escadas: A Biomecânica da Osteoartrite Patelofemoral e as Diferenças entre Gêneros

A osteoartrite (OA) do joelho é uma condição degenerativa comum. Ela afeta a qualidade de vida de milhões de pessoas, causando dor, disfunção e redução da mobilidade. Entre os adultos mais velhos, a Osteoartrite da Articulação Patelofemoral (OA patelofemoral) é extremamente prevalente. A articulação patelofemoral, localizada na frente do joelho, é frequentemente negligenciada. No entanto, ela é a principal fonte de dor para muitos. Embora a pesquisa sobre a OA da articulação tibiofemoral (a principal articulação do joelho) seja vasta, faltam informações sobre os preditores biomecânicos específicos da OA patelofemoral. Um novo estudo, realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), trouxe luz a esse problema. Eles investigaram como a forma de descer escadas se relaciona com a dor e a degeneração da cartilagem. O resultado é um apelo claro: o tratamento da OA no joelho precisa ser mais personalizado e considerar as diferenças de gênero.

Lino Matias

11/27/20254 min read

Osteoartrite Patelofemoral: Uma Epidemia de Dor no Joelho

A OA patelofemoral (PFJ OA) é mais comum do que se imagina. Estudos de imagem mostram sua presença em mais de 64% dos indivíduos acima de 50 anos. Cerca de um terço desses casos envolve a OA patelofemoral isolada.

O carregamento mecânico é um fator crucial. Ele está diretamente envolvido tanto no início quanto na progressão da osteoartrite no joelho. Compreender como esse carregamento ocorre durante atividades do dia a dia é fundamental. Isso permite que clínicos desenvolvam intervenções mais direcionadas para aliviar a dor e retardar a progressão da doença.

A dor e os sintomas costumam ser piores em atividades que exigem maior esforço do joelho.

Por Que a Descida de Escadas é o Teste Definitivo?

A maioria dos estudos biomecânicos se concentra na caminhada em terreno plano. Essa é uma atividade acessível e fácil de padronizar. No entanto, a descida de escadas é uma tarefa muito mais exigente.

Durante a descida de escadas, a flexão do joelho é cerca de 50% maior em comparação com a caminhada normal. Essa demanda ampliada pode revelar diferenças biomecânicas. Tais diferenças não seriam observadas em atividades de menor esforço. A carga elevada durante a descida pode aumentar o estresse na articulação patelofemoral.

O estudo utilizou tecnologia avançada para capturar esses movimentos detalhados.

  • Captura de Movimento 3D: Câmeras optoeletrônicas rastrearam marcadores no corpo dos participantes.

  • Análise de Cinética: Forças de reação do solo (GRF) foram coletadas para medir os momentos articulares.

  • Avaliação Clínica: A dor e a função foram medidas pelo questionário KOOS (Knee Injury and Osteoarthritis Outcome Score).

  • Dano na Cartilagem: A gravidade foi avaliada por ressonância magnética (RM) usando a classificação WORMS (Whole Organ MRI Score).

Biomecânica e Sintomas: O Que os Pesquisadores Descobriram (Análise Geral)

Os 66 participantes da pesquisa apresentaram associações significativas entre suas características biomecânicas e os escores de dor, sintomas e saúde da cartilagem. O achado mais consistente foi relacionado ao ângulo de flexão.

No geral, quanto maior a flexão do joelho (o ângulo mínimo sagital) durante a descida de escadas, piores foram os escores de dor e função (KOOS).

Além do movimento, a idade se mostrou um fator de risco estrutural.

  • Idade: O avanço da idade foi um preditor de dano mais severo à cartilagem (pior escore WORMS).

A conclusão central da análise geral aponta para a importância da cinemática:

  • Excesso de Flexão: Maior flexão do joelho está ligada a uma pior dor e pior função na OA patelofemoral.

As Distintas Biomecânicas da OA: Padrões Masculinos vs. Femininos

Uma das descobertas mais importantes do estudo foi a diferença nos padrões biomecânicos entre homens e mulheres. Essas distinções sugerem que as intervenções de tratamento não devem ser universais.

O Padrão Masculino: Carga e Offloading Sagital

Nos homens, a dor e os danos mais severos à cartilagem estavam ligados a um padrão de movimentos específicos.

Os homens com piores sintomas (KOOS) e maior dano cartilaginoso apresentaram consistentemente um padrão de:

  • Maior Carga no Plano Sagital: Momentos (forças) máximos mais altos no joelho no plano sagital (flexão).

    • Implicação: Essa carga elevada coloca um grande estresse mecânico na articulação patelofemoral.

  • Offloading no Plano Frontal: Momentos mínimos mais baixos no joelho no plano frontal (abdução/adução).

    • Implicação: Isso sugere uma compensação ou mecanismo de desvio de carga para evitar a dor.

O Padrão Feminino: Valgo, Flexão Excessiva e Descompensação

As mulheres já apresentaram, em média, escores de lesão na cartilagem estatisticamente piores do que os homens. O padrão de movimento associado à piora dos sintomas e do dano cartilaginoso foi diferente.

Nas mulheres, os achados incluíram:

  • Maior Flexão: Ângulos sagitais mínimos maiores (mais flexão) ligados a pior dor e sintomas.

  • Ângulo de Abdução (Valgo): Maior ângulo frontal mínimo (o que indica um alinhamento em valgo).

    • Implicação: O joelho valgo (joelho "para dentro") é um padrão de movimento que tem sido associado ao aumento da tensão articular.

  • Sub-carregamento Sagital: Momentos máximos sagitais mais baixos (menos força de flexão) ligados a pior dor.

    • Implicação: Esse sub-carregamento é provavelmente um mecanismo compensatório para evitar a dor ou proteger a articulação, em vez de ser uma causa direta do dano.

Implicações Clínicas e o Futuro do Tratamento Personalizado

As descobertas deste estudo têm um impacto direto no tratamento da OA patelofemoral. Os resultados enfatizam que o foco das intervenções deve ser na correção de movimentos anormais.

O tratamento não pode ser generalizado. A avaliação biomecânica da descida de escadas pode se tornar uma ferramenta clínica valiosa.

Estratégias de Intervenção Baseadas em Gênero

O manejo da OA no joelho deve mirar nos padrões de movimento específicos identificados:

  • Para Homens:

    • O foco pode estar em reduzir a carga excessiva (momentos) no plano sagital.

    • Melhorar a estabilidade no plano frontal para evitar o "offloading" compensatório.

  • Para Mulheres:

    • O foco deve estar em corrigir o alinhamento do joelho (reduzir o valgo) durante o movimento.

    • A intervenção pode visar a correção da flexão excessiva do joelho.

O estudo reforça a necessidade de desenvolver abordagens de tratamento que levem em conta o gênero do paciente. Isso pode oferecer caminhos mais eficazes para o gerenciamento da progressão da doença e a melhora dos resultados clínicos.

Uma Descoberta Inesperada: A Relação com o IMC

Um achado interessante e contraintuitivo do estudo foi a relação inversa entre o IMC (Índice de Massa Corporal) e o dano à cartilagem.

  • Em ambos os grupos (masculino e feminino), um IMC mais baixo foi associado a piores escores de lesão da cartilagem.

Essa descoberta contraria estudos anteriores que ligavam o IMC elevado à gravidade da osteoartrite. Os pesquisadores especulam que isso pode ser influenciado por fatores não medidos. Por exemplo, indivíduos com IMC mais baixo podem ter um nível de atividade física maior, o que poderia estar exacerbando o dano cartilaginoso naqueles já com a PFJ OA.

O futuro da gestão da osteoartrite patelofemoral está na precisão. Ao identificar e corrigir os padrões de movimento específicos durante atividades de alta demanda, é possível aliviar a dor no joelho e proteger a saúde da cartilagem, oferecendo uma intervenção verdadeiramente personalizada a cada paciente.

REFERÊNCIA: Hammond E, Johnson J, Haley T, Lee J, Bucknor MD, Akkaya Z, Kreutzinger V, Jiang F, Pedoia V, Majumdar S, Souza RB. Predictors of pain and cartilage damage in patellofemoral joint osteoarthritis: stair descent knee kinematics and kinetics. BMJ Open. 2025 Oct 14;15(10):e102121. doi: 10.1136/bmjopen-2025-102121. PMID: 41087117; PMCID: PMC12519704.