Hipertrofia Muscular em Idosos: A Chave para Reverter a Sarcopenia Está na Resposta Muscular Específica
O envelhecimento é um processo inevitável, e com ele surge a sarcopenia, a perda progressiva de massa e força muscular. Esta condição é um dos principais fatores que limitam a qualidade de vida e a autonomia dos adultos mais velhos. Por décadas, o foco da pesquisa e das recomendações de exercícios tem sido o músculo como um todo. No entanto, um corpo crescente de evidências, sintetizado por uma ampla revisão científica, revela uma realidade mais complexa: a forma como nossos músculos atrofiam com a idade e respondem ao exercício é altamente específica para cada grupo muscular. Este artigo, baseado em uma análise abrangente de mais de 6.000 publicações, mergulha na resposta muscular específica de idosos ao treinamento de resistência e aeróbico, oferecendo insights cruciais para otimizar o treinamento de força 60+.
Lino Matias
12/11/20256 min read


A Ciência por Trás da Sarcopenia e o Exercício
A ideia de que todos os músculos respondem ao exercício da mesma maneira em qualquer idade está sendo desafiada pela ciência.
A atrofia muscular relacionada à idade não é um processo homogêneo. Alguns músculos definham mais rapidamente do que outros, e é por isso que a intervenção deve ser igualmente específica.
O exercício físico tem um impacto poderoso na atenuação ou reversão dessa atrofia. A questão central, no entanto, é entender se a capacidade de resposta ao treino é, ela própria, músculo-específica.
Os dados revisados, focados em indivíduos com 60 anos ou mais, sugerem fortemente que sim, a hipertrofia muscular em idosos é um fenômeno que varia drasticamente de um músculo para outro.
A Resposta Específica do Músculo ao Treinamento
A revisão analisou dados de 1417 indivíduos, principalmente nas faixas etárias de 60-69 anos (sexagenários) e 70-79 anos (septuagenários), com foco em programas de treinamento de 10 a 14 semanas.
Os resultados mostram uma grande variação na capacidade de adaptação dos músculos, tanto com o exercício de resistência quanto com o aeróbico.
Treinamento de Força (Resistência): Variações Surpreendentes
O treinamento de resistência (força) é a modalidade mais eficaz para estimular a hipertrofia muscular em idosos.
Contudo, a magnitude do crescimento varia enormemente entre os grupos musculares examinados. Em idosos de 60-69 anos, a hipertrofia variou de 2% a 14% em diferentes músculos.
Essa variação ocorre não apenas entre grupos musculares distintos (como os braços e as pernas), mas até mesmo entre os subcomponentes de um mesmo grupo muscular.
Variação no Quadríceps (60-69 anos): O Vasto Intermédio apresentou apenas 2% de hipertrofia, enquanto o Vasto Lateral atingiu 11%.
Variação no Tríceps Sural (70-79 anos): O músculo Sóleo teve apenas 1% de resposta, contrastando com o Gastrocnêmio Lateral, que apresentou um robusto aumento de 12%.
Isso sublinha que, ao submeter um grupo muscular a uma carga crônica, um subcomponente pode ser relativamente pouco responsivo, enquanto outro pode sofrer uma hipertrofia substancial.
As causas para essa disparidade são multifatoriais:
O padrão de carregamento e a mecânica músculo-esquelética específica do exercício.
As características metabólicas e moleculares subjacentes do tipo de fibra muscular dominante.
O nível de atividade diária relativa e o status de treinamento prévio de cada músculo.
Exercício Aeróbico: Crescimento e Até Atrofia?
Os dados sobre o exercício aeróbico (como o ciclismo ou a caminhada) também apoiam a ideia da resposta muscular específica.
No grupo de 70-79 anos, o treinamento aeróbico gerou uma variação de 15% no tamanho muscular em 22 músculos. Surpreendentemente, essa variação incluiu alguns músculos que atrofiaram em resposta ao exercício, com perdas de até -6%.
A atrofia ocorreu em:
Músculos diretamente visados, como o Reto Femoral do quadríceps durante o ciclismo.
Músculos menos engajados no exercício, como os músculos da panturrilha durante o ciclismo.
Essa perda de massa, ou exercício aeróbico atrofia, pode ser uma consideração maior no treinamento aeróbico devido à alta demanda energética que pode levar a um déficit calórico não planejado, especialmente se a atividade estiver ligada a um objetivo de perda de peso.
Os Quadríceps Dominam, Mas a Visão é Limitada
Um dos achados mais notáveis da revisão é o foco desproporcional da literatura científica.
A grande maioria das investigações (79% de todos os dados) se concentra exclusivamente no músculo Quadríceps Femorais. Este foco é compreensível, dado o papel crucial do quadríceps na funcionalidade e na facilidade de estudá-lo com exercícios comuns como a extensão de joelho.
Contudo, os autores alertam: aplicar o conhecimento obtido desses estudos de "apenas quadríceps" a outros grupos musculares é de validade desconhecida. Não há evidências que sugiram que a resposta muscular específica do quadríceps possa ser replicada em todo o corpo.
Essa lacuna de conhecimento significa que as diretrizes de exercício existentes para a maioria dos músculos, essenciais para a saúde e funcionalidade diária, ainda estão longe de serem otimizadas.
Otimizando a "Dose" do Exercício para Máxima Hipertrofia
A questão da dose de exercício – o número de repetições e a duração total do treinamento – foi examinada usando o grande conjunto de dados do treinamento de resistência do quadríceps (60-79 anos).
Surpreendentemente, o aumento no volume de treinamento não resultou em maior hipertrofia.
Ao combinar os grupos etários de 60-79 anos, não se observou hipertrofia adicional no quadríceps com o aumento do número de repetições e/ou duração do treino, que variaram de 6 a 42 semanas.
Em outras palavras:
Um aumento geral no número total de repetições (de 971 para até 4872) ao longo de diferentes durações de treino (9 a 25 semanas) não gerou mais hipertrofia além do que foi observado no período mais curto.
Isso sugere que uma dose de exercício relativamente pequena pode ser suficiente para obter o máximo de hipertrofia muscular em idosos, pelo menos no quadríceps.
É crucial um entendimento mais aprofundado sobre como a dose impacta a resposta muscular específica em outros grupos musculares.
Resposta ao Exercício: Idade e Gênero
Além da especificidade muscular e da dose, a revisão forneceu insights sobre a influência da idade e do sexo na hipertrofia.
A Hipertrofia Através das Décadas
Analisando o treinamento de resistência do quadríceps (10-14 semanas) nas quatro décadas de envelhecimento (60, 70, 80 e 90 anos), a conclusão é encorajadora.
Todos os grupos etários foram capazes de montar uma resposta hipertrófica significativa:
60-69 anos: 8%
70-79 anos: 6%
80-89 anos: 7%
90 anos: 4%
A similaridade na resposta entre os sexagenários, septuagenários e octogenários é notável. Além disso, os nonagenários (90 anos) alcançaram sua resposta, embora ligeiramente menor, com uma fração (cerca de 25%) das repetições semanais dos grupos mais jovens.
Isso reforça que o treinamento de força 60+ é viável e eficaz, independentemente da idade avançada.
Homens e Mulheres: Respostas Semelhantes
A análise dos dados de treinamento de resistência do quadríceps em sexagenários e septuagenários (homens e mulheres) mostrou uma equivalência na hipertrofia muscular em idosos entre os sexos.
60-69 anos: Homens (10%), Mulheres (8%).
70-79 anos: Homens (6%), Mulheres (6%).
Não foram observadas diferenças substanciais, sugerindo que o protocolo de treinamento de força pode ser igualmente eficaz para ambos os gêneros.
O Chamado à Ação: Foco Além do Quadríceps
A principal conclusão desta revisão é que, embora tenhamos um grande volume de dados de alta qualidade sobre o quadríceps, o conhecimento sobre os centenas de outros músculos esqueléticos que sofrem alterações sarcopênicas é limitado.
O próximo passo na otimização da programação de exercício para idosos é preencher essa lacuna de conhecimento. Isso se torna crucial ao considerar as funções específicas dos músculos relacionadas às atividades diárias e à qualidade de vida.
Músculos menos estudados são vitais para tarefas como:
Manter o equilíbrio.
Subir escadas.
Levantar-se e sentar-se em uma cadeira.
Carregar objetos (compras, netos).
Atividades domésticas e de lazer.
Para um futuro onde a sarcopenia e treinamento sejam enfrentados com a máxima precisão, a ciência deve se concentrar em novas frentes:
Investigar um número muito maior de grupos musculares e seus subcomponentes, incluindo aqueles que não são o alvo primário de um exercício específico.
Estudar a dose de exercício específica para cada músculo, considerando a carga e a atividade diária.
Aumentar o número de estudos em octogenários e nonagenários, onde os dados ainda são esporádicos.
Conclusão
A luta contra a perda muscular na velhice deve ser personalizada. A hipertrofia muscular em idosos não é um processo ligar-desligar generalizado; é uma resposta muscular específica que varia por grupo muscular, tipo de exercício e até mesmo por subcomponente muscular.
Embora o treinamento de força se mostre eficaz em todas as décadas após os 60 anos, e para ambos os sexos, a verdadeira otimização do treinamento de força 60+ requer que a ciência e a prática saiam da zona de conforto do quadríceps. Ao abraçar a especificidade, podemos desenvolver programas de exercício verdadeiramente abrangentes que mantenham a força e a autonomia em todos os aspectos da vida.
REFERÊNCIA: Vincenty CS, Yoon G, Rogers K, Naruse M, Trappe S, Trappe TA. Human skeletal muscle-specific hypertrophy with exercise training and aging: a comprehensive review. J Appl Physiol (1985). 2025 Jul 1;139(1):58-69. doi: 10.1152/japplphysiol.00892.2024. Epub 2025 May 22. PMID: 40402994; PMCID: PMC12188863.