Força Muscular: A Chave Esquecida para Prever e Melhorar a Função na Osteoartrite de Joelho Avançada

A osteoartrite de joelho (OA) é uma condição musculoesquelética de grande impacto global. Ela afeta uma parcela significativa da população, sendo que cerca de 17% dos indivíduos com mais de 45 anos são impactados por essa doença crônica. Caracterizada por dor, rigidez e uma deterioração progressiva da cartilagem, a OA de joelho, especialmente em seu estágio avançado, impõe limitações substanciais às atividades da vida diária. Pacientes relatam dificuldades em tarefas essenciais, como levantar de uma cadeira e subir escadas. Embora se saiba que a força muscular dos membros inferiores esteja comprometida, a sua capacidade exata de prever a função física desses pacientes permanecia obscura. Um estudo recente veio preencher essa lacuna, revelando que a força máxima é um preditor poderoso e valioso para a avaliação e tratamento de pacientes com osteoartrite de joelho avançada

Lino Matias

11/19/20255 min read

O Elo entre Força Muscular e Osteoartrite de Joelho Avançada

O declínio na função física em pacientes com OA tem sido consistentemente associado à diminuição da força muscular da perna. Essa fraqueza é particularmente notável nos músculos extensores do joelho, que são cruciais para a estabilização da articulação e para a locomoção.

A fraqueza muscular leva os pacientes a utilizar mais tempo para se levantar e a adotar padrões de movimento compensatórios ao lidar com escadas. Assim, a força muscular não é apenas uma consequência, mas uma variável essencial que modula o desempenho funcional e a qualidade de vida.

O objetivo deste estudo foi justamente quantificar o quanto diferentes componentes da força muscular previam a função física, tanto a percebida pelo paciente (autorrelatada) quanto a medida em testes de desempenho. Entender essa relação é vital para otimizar as intervenções clínicas não-cirúrgicas.

A Importância de Medir a Força dos Membros Inferiores

Para a pesquisa, foram avaliados 50 pacientes com osteoartrite de joelho avançada. O foco estava em três componentes principais da força dos membros inferiores:

  • Força Máxima Dinâmica (1RM): Medida pelo teste de Leg Press (Uma Repetição Máxima), refletindo a capacidade de gerar força ao mover uma carga.

  • Força Máxima Isométrica (MVC): Avaliada pela Contração Voluntária Máxima na extensão do joelho, medindo a força máxima sem movimento.

  • Taxa de Desenvolvimento de Força (RFD): Indica a rapidez com que o músculo consegue gerar força, crucial para movimentos rápidos e reativos.

Os resultados demonstram que a força máxima, em particular, é o principal agente preditor das tarefas funcionais mais desafiadoras.

A Força Máxima como Preditivo Poderoso da Função

O estudo confirmou uma forte associação preditiva entre a força máxima e os testes de desempenho físico. As tarefas de subir escadas e levantar de uma cadeira são consideradas as principais limitações funcionais para pacientes com OA de joelho.

Levantamento de Cadeira (Sit-to-Stand) e Força

O teste de Sit-to-Stand (STS) em 30 segundos é um indicador crucial da independência do paciente.

Neste teste, a força muscular mostrou um impacto notável:

  • A força máxima dinâmica (Leg Press 1RM) explicou 29% da variação no desempenho do STS.

  • A força máxima isométrica (extensão de joelho MVC) foi ainda mais poderosa, explicando 38% da variação.

Isso significa que mais de um quarto (e em um dos casos, mais de um terço) da capacidade de um paciente se levantar de uma cadeira em 30 segundos pode ser atribuída diretamente à sua força máxima.

Desempenho ao Subir Escadas (Stair Climbing) e Força

Subir escadas (STC) é uma atividade que exige grande amplitude de movimento e controle neuromuscular. É frequentemente uma das primeiras funções físicas a ser afetada em indivíduos com OA de joelho.

A correlação entre força e desempenho nesta tarefa foi extremamente forte:

  • O 1RM (Leg Press) explicou impressionantes 37% da variação adicional no desempenho de subir escadas.

  • O MVC (extensão de joelho) previu 24% da variação no tempo de subida.

Esses números sublinham o papel da força muscular como um pré-requisito funcional. Eles sugerem que focar no aumento da força dos membros inferiores pode resultar em melhorias significativas na capacidade de subir escadas.

O Papel da Taxa de Desenvolvimento de Força (RFD)

Embora a força máxima seja predominante, a Taxa de Desenvolvimento de Força (RFD) — a velocidade com que a força é gerada — também demonstrou relevância.

A RFD é um componente importante da força que se deteriora com a idade e com a doença. O estudo revelou que a RFD da extensão do joelho estava associada a:

  • 22% de variação adicional no desempenho do Sit-to-Stand (STS).

  • 6% de variação adicional no desempenho ao Subir Escadas (STC).

Esses achados indicam que o treinamento de força para pacientes com OA deve incluir não apenas a busca pela força máxima, mas também a capacidade de produzir essa força rapidamente.

O Teste que Não Foi Associado à Força

É importante notar que nenhuma das medidas de força muscular (1RM, MVC ou RFD) demonstrou associação preditiva com o desempenho na Caminhada em Ritmo Rápido de 40 metros. Isso sugere que, em pacientes com osteoartrite de joelho avançada, a força é mais crítica para tarefas que exigem alta demanda e controle (como subir/descer e levantar) do que para tarefas ambulatoriais de velocidade moderada.

Além do Desempenho: O Impacto na Função Autorrelatada

Além dos testes de desempenho, o estudo também examinou como a força muscular se relaciona com a percepção que o paciente tem da sua própria função, medida pelo questionário Knee Injury and Osteoarthritis Outcome Score - Physical Function Short Form (KOOS-PS).

A capacidade de o paciente relatar menos dificuldade nas atividades da vida diária foi, de fato, prevista pela força:

  • Tanto a força 1RM quanto a MVC, quando consideradas em relação ao peso corporal, explicaram 7% da variação no escore KOOS-PS.

Este achado é clinicamente significativo, pois reforça que a força muscular é um fator fisiológico que influencia a função física percebida, independentemente do nível de dor ou desconforto do paciente.

O estudo sugere que ganhos relativamente modestos na força podem ser acompanhados por melhorias subjetivas. Por exemplo, um ganho na força de Leg Press (1RM) poderia resultar em uma melhoria de aproximadamente 8 pontos no KOOS-PS.

  • Essa melhoria é considerada clinicamente significativa de acordo com diversas investigações sobre a OA.

  • Reforça a ideia de que o fortalecimento não impacta apenas o que o paciente faz, mas também o que ele sente sobre sua condição.

O Caminho a Seguir: Fortalecimento como Terapia

Os achados deste estudo trazem uma mensagem clara para profissionais de saúde e pacientes: a força muscular é um preditor fundamental e, portanto, um alvo terapêutico primário na osteoartrite de joelho avançada.

As intervenções para OA, muitas vezes focadas em exercícios de baixo impacto ou controle da dor, devem ser suplementadas ou intensificadas com ênfase no treinamento de força dos membros inferiores.

A avaliação de rotina deve, obrigatoriamente, incluir medidas simples e valiosas como:

  • O desempenho no teste 30-s Sit-to-Stand (STS).

  • O tempo de subida de escadas (Stair Climbing - STC).

  • Avaliações objetivas da Força Máxima Dinâmica (1RM) ou Isométrica (MVC).

Aumentos alcançáveis na capacidade de gerar força estão diretamente ligados a melhorias clinicamente significativas tanto na função autorrelatada quanto na capacidade de realizar as atividades da vida diária.

Em resumo, a mensagem é: não se trata apenas de caminhar ou pedalar, mas de construir a força máxima e a RFD para que tarefas críticas como levantar e subir escadas deixem de ser um obstáculo diário. Priorizar o fortalecimento é o caminho mais promissor para devolver a funcionalidade e a qualidade de vida a esses pacientes.

REFERÊNCIA: Izadi M, Tøien T, Øhrn FD, Husby OS, Schnell Husby VK, Winther SB, Sherman R, Brobakken MF, Wang E, Berg OK. Muscle strength is a key predictor of physical function in advanced knee osteoarthritis. Musculoskelet Sci Pract. 2025 Aug;78:103339. doi: 10.1016/j.msksp.2025.103339. Epub 2025 Apr 25. PMID: 40311162.