Exercinas: O Código Secreto do Exercício Desvendado para Longevidade e Saúde Metabólica

Todos nós conhecemos os benefícios inquestionáveis da atividade física. Exercitar-se regularmente é a intervenção mais poderosa para prevenir e tratar doenças crônicas como as cardiovasculares, obesidade e diabetes tipo 2, além de ser essencial para aumentar a longevidade e a resiliência geral do corpo. No entanto, por muito tempo, o mecanismo molecular exato por trás dessa "fonte da juventude" biológica permaneceu um mistério. O que exatamente transforma uma corrida ou uma sessão de musculação em proteção contra doenças? A resposta está em um grupo fascinante e crescente de moléculas sinalizadoras: as exercinas. Desde a descoberta, em 2000, de que a contração muscular libera a citocina IL-6, o número de moléculas associadas ao exercício não parou de crescer. O termo "exercina" foi cunhado em 2016 para descrever esses mensageiros moleculares. Elas são a peça-chave que explica por que o exercício físico é, de fato, a melhor “pílula” que você pode tomar para a sua saúde e bem-estar.

Lino Matias

12/12/20256 min read

O Que São Exercinas? Sinalização e Moléculas da Atividade Física

Exercinas são definidas como quaisquer elementos sinalizadores liberados no corpo em resposta ao exercício agudo (uma única sessão) e/ou crônico (treinamento regular).

Sua principal função é exercer efeitos biológicos através de vias de comunicação que podem ser locais ou sistêmicas. Elas são as agentes que traduzem o estresse mecânico do exercício em adaptações benéficas em múltiplos sistemas orgânicos.

Fontes de Exercinas no Corpo

Acreditava-se inicialmente que o músculo esquelético era a principal fonte, liberando os famosos miócitos (como a IL-6, o miocine mais estudado). Contudo, a pesquisa expandiu-se e hoje sabemos que muitos outros órgãos participam ativamente desta complexa comunicação molecular.

Os Principais Órgãos Secretórios de Exercinas:

  • Músculo Esquelético: Miócitos (como IL-6 e Irisina).

  • Coração: Cardiocinas.

  • Fígado: Hepatocinas (como Folistatina e Fetuin-A).

  • Tecido Adiposo Branco e Marrom (WAT e BAT): Adipocinas e Batocinas (como 12,13-diHOME).

  • Neurônios: Neurocinas.

Mais do que Citoquinas: A Complexidade da Sinalização Exercina

A definição de exercinas é ampla, abrangendo muito mais do que apenas citocinas e proteínas.

Elas englobam uma vasta gama de moléculas sinalizadoras, incluindo:

  • Metabólitos: O ácido lático, por exemplo, cuja secreção pelo músculo foi identificada há mais de um século, atua como uma exercina.

  • Hormônios e Neurotransmissores: Moléculas como as catecolaminas.

  • Ácidos Nucleicos e Lipídios: Como microRNAs e ácidos graxos livres.

O interesse também está crescendo no papel das vesículas extracelulares (VEs). Essas minúsculas estruturas membranosas, liberadas pelas células, atuam como "envelopes" biológicos, transportando um sortimento de proteínas, ácidos nucleicos e lipídios, facilitando a comunicação inter-órgãos induzida pelo exercício.

A Mensagem Oculta do Exercício: Comunicação Inter-Órgãos

A atuação das exercinas é classificada pelo seu alvo, demonstrando a natureza sistêmica dos benefícios da atividade física.

Três Modos de Ação das Exercinas:

  1. Autócrino: A exercina afeta a própria célula que a secretou. No músculo, por exemplo, o lactato ou a musclina ajudam a equilibrar o metabolismo local e a biogênese mitocondrial (a criação de novas usinas de energia nas células).

  2. Parácrino: O sinal afeta células vizinhas no ambiente imediato. O músculo secreta, por exemplo, o Fator de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF) para regular a angiogênese (formação de novos vasos) local, aumentando o fluxo sanguíneo e a disponibilidade de nutrientes para o tecido.

  3. Endócrino: A exercina entra na corrente sanguínea e afeta tecidos distantes, como o fígado, o cérebro ou o tecido adiposo, promovendo adaptações sistêmicas.

Diferença entre Exercício Agudo e Crônico

É crucial entender que a resposta aguda não se alinha necessariamente com a resposta crônica, o que explica em parte as variações observadas nos estudos.

Exposição Aguda (Uma Sessão):

  • A resposta visa manter a homeostase metabólica (o equilíbrio interno) e modular o estresse inflamatório.

  • Citocinas clássicas como IL-6, IL-1RA e IL-10 geralmente aumentam imediatamente após o exercício, atingindo o pico e permanecendo elevadas por algumas horas.

  • A intensidade é um fator decisivo: o treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) corresponde a níveis mais altos de IL-6.

Exposição Crônica (Treinamento):

  • O foco da resposta muda para adaptações metabólicas de longo prazo e, notavelmente, diminuição da inflamação sistêmica em repouso.

  • O treinamento crônico pode reduzir as concentrações plasmáticas de IL-6 em repouso.

  • As exercinas refletem uma adaptação de longo prazo, como o aumento da capacidade do músculo e a melhoria da sensibilidade à insulina.

Exercinas e a Saúde Plena: Impacto no Corpo e Resiliência

As exercinas têm potencial terapêutico em diversas áreas da saúde. Elas promovem a resiliência geral do corpo, a capacidade de resistir, adaptar-se e recuperar-se de estressores, e mitigam doenças crônicas.

Exercinas e o Coração: Proteção Cardiovascular

O exercício mitiga os fatores de risco tradicionais de doenças cardiovasculares, mas as exercinas desempenham um papel direto adicional. Elas se opõem à inflamação sistêmica e à disfunção metabólica associadas a essas condições.

  • Angiogênese e Endotélio: Exercinas como o Fator de Crescimento Fibroblástico 21 (FGF21) e o VEGF promovem a angiogênese (formação de novos vasos) e melhoram a função endotelial.

  • O endotélio vascular (a camada que reveste os vasos) é um ator e recipiente de sinais exercinas, regulando o tônus vascular (pressão sanguínea) e o processo de regeneração.

Metabolismo e Tecido Adiposo: A Transformação do Corpo

O exercício mobiliza a gordura armazenada (lipólise) para ser usada como combustível, um processo que é potencializado pela ação das exercinas.

  • O 'Browning' da Gordura: A Irisina, uma exercina liberada pelo músculo, tem sido estudada por sua capacidade de induzir o "browning" (escurecimento) do tecido adiposo branco. Esse processo transforma o tecido de armazenamento em um tecido ativo metabolicamente, aumentando o gasto energético e a produção de calor, potencialmente auxiliando na redução da obesidade.

  • Comunicação Cruzada: O ácido 12,13-diHOME, uma exercina secretada pelo tecido adiposo marrom (BAT), melhora a captação e oxidação de ácidos graxos pelo músculo esquelético. Em humanos, níveis reduzidos dessa molécula estão associados à presença de doenças cardiovasculares.

O Poder dos Miócitos: Músculo e Crescimento

As exercinas de vários tecidos melhoram a função e o crescimento do músculo esquelético, essencial para a saúde metabólica e a prevenção da sarcopenia (perda muscular relacionada à idade).

  • Apelina: Uma miocina que pode melhorar a função muscular, estimulando a biogênese mitocondrial e a síntese proteica, apoiando a regeneração muscular.

  • Folistatina vs. Miostatina: A Folistatina, uma hepatocina liberada pelo fígado, é aumentada pelo exercício e atua antagonizando os efeitos da Miostatina. A Miostatina é um fator conhecido por inibir o crescimento muscular. A inibição da Miostatina pela Folistatina melhora o crescimento muscular e o controle glicêmico de todo o corpo.

A Fronteira da Pesquisa: Exercinas e a Medicina do Futuro

A resposta de um indivíduo ao exercício é altamente variável devido a fatores genéticos e contextuais (como dieta e momento do dia). Investigações mostram que cerca de 20% das pessoas podem ser "não-respondedoras" em termos de melhoria da capacidade aeróbica, e algumas podem ter até "respostas adversas" em certos marcadores metabólicos.

Para combater essa variabilidade e avançar na medicina de precisão do exercício, grandes consórcios de pesquisa, como o Molecular Transducers of Physical Activity Consortium (MoTrPAC), estão trabalhando para criar um atlas detalhado da resposta molecular. O objetivo é entender quais exercinas específicas estão por trás da resiliência de cada um.

O Desafio do "Exercício em Comprimido"

O objetivo final mais tentador é aproveitar o poder das exercinas para fins terapêuticos. Se o papel biológico dessas moléculas for totalmente clarificado, as exercinas poderiam ser moduladas para replicar os benefícios do exercício em pessoas que são fisicamente incapazes de se exercitar, como indivíduos com paraplegia ou intolerância ao exercício associada à idade.

Identificar uma única exercina ou um painel delas que capture todos os benefícios do exercício é um objetivo ambicioso para a pesquisa futura. Essa "pílula do exercício" ainda é um sonho, mas os avanços no estudo das exercinas nos aproximam dessa realidade.

Conclusão: O Catalisador Molecular da Saúde

As exercinas representam uma das áreas mais promissoras da ciência da saúde. Elas nos mostram que o exercício é muito mais do que apenas um comportamento físico; é um complexo sistema de sinalização que fala com quase todos os órgãos do corpo, sendo o principal catalisador molecular para a resiliência, a saúde metabólica e a longevidade.

O desafio atual da pesquisa é refinar as técnicas de medição e entender a complexidade de sua ação, mas a mensagem é clara: o investimento em atividade física é, acima de tudo, um investimento em sua própria farmácia molecular interna. A ciência está apenas começando a decifrar a linguagem poderosa do exercício.

REFERÊNCIA: Chow LS, Gerszten RE, Taylor JM, Pedersen BK, van Praag H, Trappe S, Febbraio MA, Galis ZS, Gao Y, Haus JM, Lanza IR, Lavie CJ, Lee CH, Lucia A, Moro C, Pandey A, Robbins JM, Stanford KI, Thackray AE, Villeda S, Watt MJ, Xia A, Zierath JR, Goodpaster BH, Snyder MP. Exerkines in health, resilience and disease. Nat Rev Endocrinol. 2022 May;18(5):273-289. doi: 10.1038/s41574-022-00641-2. Epub 2022 Mar 18. PMID: 35304603; PMCID: PMC9554896.