Exercício Físico Transforma: A Ciência por Trás da Melhora da Função Executiva em Crianças com TDAH e TEA

O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA) são algumas das condições do neurodesenvolvimento mais comuns na infância. Estima-se que o TDAH afete entre 8% a 10% das crianças, enquanto o TEA atinge cerca de 0,6% globalmente. Além disso, em aproximadamente 21% dos casos, jovens diagnosticados com TDAH também recebem um diagnóstico de TEA, um cenário chamado de coocorrência. Uma característica central e desafiadora para crianças com ambas as condições é o déficit na função executiva.

Lino Matias

11/28/20256 min read

O que é a Função Executiva?

Função executiva refere-se aos processos cognitivos de alto nível que governam o comportamento e a cognição. Ela é essencial para o sucesso acadêmico e para a regulação do comportamento.

Seus três componentes principais são:

  • Controle Inibitório: A capacidade de suprimir respostas irrelevantes ou automáticas.

  • Memória de Trabalho: A habilidade de reter e manipular informações na mente por curtos períodos.

  • Flexibilidade Cognitiva: A facilidade para mudar de foco ou estratégia conforme a demanda da tarefa.

Para crianças com TDAH e/ou TEA, estes déficits se traduzem em dificuldades para modular comportamentos complexos e direcionar o foco para a conclusão de objetivos, especialmente em ambientes escolares. Diante dessa realidade, a busca por intervenções não farmacológicas seguras e eficazes para gerenciar os sintomas agudos se torna crucial.

O Experimento Científico: Treino Funcional e Cognitivo

Um estudo recente buscou determinar se uma única sessão de exercício físico poderia melhorar agudamente a função executiva e a percepção visual em crianças neurodiversas. A pesquisa investigou os efeitos de um treino específico, validado ecologicamente, em 34 crianças com TDAH e/ou TEA.

O desenho experimental foi rigoroso:

  • As crianças completaram dois testes (separados por 7 dias): um de exercício e um de controle (repouso sentado).

  • O treino consistiu em 30 minutos de exercício baseado em circuito de intensidade moderada (frequência cardíaca média de 154 ± 16 batimentos/min).

  • Os testes cognitivos foram realizados antes, imediatamente após a intervenção e na manhã seguinte.

Por Que o Exercício Cognitivo é Mais Eficaz?

A chave para os resultados promissores deste estudo reside na modalidade escolhida: o circuito cognitivamente engajante.

Diferente de exercícios aeróbicos repetitivos, como correr ou pedalar, que no passado apresentaram efeitos limitados ou mistos na memória de trabalho em crianças com TDAH/TEA, o circuito do estudo foi intencionalmente planejado para:

  1. Ser uma atividade física de validade ecológica (fácil de implementar em um ambiente escolar).

  2. Desafiar ativamente os componentes da função executiva enquanto o corpo se movimenta.

O circuito de 20 minutos de exercícios centrais (após um aquecimento de 5 minutos) foi dividido em cinco estações. Cada estação de 4 minutos combinava movimento com um desafio mental, como por exemplo:

  • Exercícios Coordenativos Bilaterais: Andar e quicar uma bola de basquete, alternando entre a mão esquerda, a mão direita e ambas as mãos.

  • Jogos de Inibição e Atualização de Movimento:

    • Ouvir comandos trocados (ex: 'luz verde' significa parar e 'luz vermelha' significa ir).

    • Associar palavras a movimentos, com novos comandos sendo adicionados, exigindo a atualização da regra mental e a inibição da resposta anterior.

Esta abordagem dual – movimento e cognição – demonstrou ser um poderoso catalisador para a melhoria das habilidades executivas.

Resultados Inovadores: Foco, Memória e Percepção Aprimorados

Os achados deste estudo são importantes, pois fornecem evidências sólidas para o uso do exercício como terapia não medicamentosa.

Melhoria no Controle Inibitório e Foco

O teste de Stroop (complexo) avalia o controle inibitório. Durante este teste, as crianças devem suprimir a leitura da palavra para se concentrar na cor da fonte.

  • A precisão (acurácia) no teste de Stroop foi melhor mantida logo após o exercício em comparação com o repouso.

  • No dia seguinte, a precisão das crianças que fizeram o exercício não só foi mantida como, na verdade, aumentou (1,22% de aumento na precisão).

Isto sugere que a capacidade de foco e de inibição de distrações foi agudamente aprimorada pela intervenção.

Impulso na Memória de Trabalho

O Paradigma de Sternberg avalia a memória de trabalho. No nível mais complexo (com 5 itens para memorizar), a precisão também foi melhorada imediatamente após o exercício no grupo de treino, em comparação com o grupo de repouso.

O achado é notável, pois intervenções de exercício puramente aeróbico frequentemente falham em demonstrar efeitos na memória de trabalho, concentrando-se apenas no controle inibitório.

A Persistência dos Benefícios

Um dos pontos mais empolgantes da pesquisa foi a avaliação dos efeitos residuais do exercício. Os pesquisadores confirmaram que os aprimoramentos no controle inibitório, na memória de trabalho e na percepção visual persistiram até a manhã seguinte à sessão de exercício.

Isso tem implicações práticas enormes: uma sessão de treino na tarde de um dia pode beneficiar o desempenho cognitivo (como em provas ou atividades complexas) na manhã seguinte.

A Relação Velocidade-Precisão

É importante notar que os aprimoramentos na precisão ocorreram à custa do tempo de resposta, que foi mais lento no grupo de exercício. Os pesquisadores interpretam isso como um speed-accuracy trade-off (troca entre velocidade e precisão).

  • Isso significa que as crianças se tornaram mais cuidadosas ao realizar as tarefas.

  • Elas estavam sacrificando a velocidade para garantir a resposta correta.

Este padrão é geralmente considerado um resultado favorável, especialmente em tarefas que exigem pensamento complexo e evitam erros, uma habilidade frequentemente prejudicada em crianças com TDAH.

E o Sono? Um Ponto de Atenção

É sabido que distúrbios do sono afetam cerca de 50% a 80% das crianças com TDAH e TEA, incluindo pior latência do sono e mais despertares noturnos. Em populações neurotípicas, o exercício agudo demonstrou ter um efeito benéfico no sono.

O Resultado do Sono no Estudo

Neste estudo, no entanto, o exercício agudo baseado em circuito não teve efeito sobre os parâmetros do sono na noite seguinte à sua realização.

  • Não houve diferença no tempo total de sono.

  • Não houve diferença na latência do sono (tempo para adormecer).

  • Não houve diferença na eficiência do sono.

Os pesquisadores sugerem que, para a melhoria do sono, a participação em programas de exercício baseado em circuito talvez precise ser de longo prazo (efeito crônico), o que deve ser objeto de futuras pesquisas. No entanto, o fato de o exercício não ter prejudicado o sono é, por si só, uma informação importante.

Implicações Práticas: Uma Estratégia Escolar Simples

Os achados validam o exercício físico como uma ferramenta acessível e de baixo custo para a gestão imediata dos sintomas de déficit de atenção e déficit de função executiva em crianças com TDAH e TEA.

O design do circuito é ecologicamente válido, o que significa que pode ser facilmente replicado:

  • Pode ser implementado dentro da jornada escolar.

  • Não requer equipamentos especializados.

  • Não exige treinamento especializado para ser ministrado.

  • É projetado para ser divertido e engajante, o que é crucial para a aderência em longo prazo nesta população.

Para pais, educadores e profissionais de saúde, as conclusões são claras e oferecem um guia prático para otimizar o desempenho cognitivo:

  • Priorizar a Qualidade Cognitiva: O exercício deve envolver uma componente cognitiva significativa, não sendo apenas um treino de resistência.

  • Aproveitar o Efeito Residual: Uma sessão de atividade física de intensidade moderada e engajamento cognitivo realizada no período da tarde pode ter seus benefícios (maior precisão e foco) estendidos para a manhã seguinte.

  • Focar na Complexidade: Os efeitos benéficos do exercício foram mais pronunciados nas tarefas cognitivas complexas , que são exatamente aquelas que mais desafiam as crianças com TDAH e TEA.

  • Investir em Intervenções Escolares: Promover circuitos de exercício rápidos e divertidos na escola pode ser uma estratégia para preparar as crianças para as tarefas de sala de aula mais exigentes do dia.

    Em suma, uma única dose de exercício físico cognitivamente engajante atua como um poderoso impulsionador cerebral, melhorando de forma imediata e duradoura as funções essenciais para o aprendizado e o comportamento.

Conclusão: O Poder do Movimento para a Neurodiversidade

O estudo oferece uma nova perspectiva sobre a gestão dos sintomas de TDAH e TEA. Ele confirma que o exercício baseado em circuito de intensidade moderada não é apenas uma atividade física, mas uma intervenção terapêutica eficaz.

Ao melhorar o controle inibitório e a memória de trabalho, o treino de 30 minutos oferece uma solução simples e acessível para aprimorar o desempenho cognitivo imediatamente e manter seus benefícios até o dia seguinte.

Este é um caminho promissor. Mais do que apenas queimar energia, o exercício se estabelece como uma ferramenta fundamental para potencializar a função executiva e apoiar o desenvolvimento pleno de crianças neurodiversas. A próxima vez que uma criança com TDAH ou TEA precisar de foco, talvez a solução não esteja em um assento silencioso, mas em um circuito divertido de 30 minutos!

REFERÊNCIA: Walters, G. W., Taylor, S., Sweeney, E. ​ L., Cooper, S. B., Williams, R. A., & Dring, K. J. ​ (2024). Effect of an acute bout of exercise on executive function and sleep in children with attention deficit hyperactivity disorder and autism spectrum disorder. ​ Mental Health and Physical Activity, 100624. https://doi.org/10.1016/j.mhpa.2024.100624