Autoregulação no Treinamento de Força: Mais Volume Nem Sempre Significa Mais Resultado!
No mundo do treinamento de força, a busca por métodos que otimizem os ganhos de força, potência e hipertrofia muscular é constante. Entre as diversas estratégias, a autoregulação tem ganhado destaque. Mas será que ajustar o volume de treino com base na sua percepção de recuperação realmente traz benefícios adicionais a um programa já bem estruturado? Um estudo recente comparou um programa de treinamento de resistência com periodização mista por sessão (MSP) com uma versão autoregulada (AMSP) e os resultados trazem uma perspectiva importante para atletas e entusiastas. Acompanhe a análise aprofundada para descobrir por que, neste cenário, mais volume não se traduziu em melhores adaptações.
Lino Matias
11/29/20255 min read


Entendendo a Autoregulação e a Periodização Mista por Sessão (MSP)
Antes de mergulharmos nos resultados, é fundamental entender os conceitos centrais do estudo.
O que é Autoregulação?
Autoregulação é a adaptação intencional das cargas de treinamento (como volume ou intensidade) conforme o desempenho individual ou a capacidade percebida do praticante em realizar o treino. É uma abordagem flexível que visa otimizar o estímulo de treino ao gerenciar a fadiga e a recuperação.
Historicamente, envolveu ajustar a carga semanal com base no desempenho.
Mais recentemente, a autoregulação meta-sessão utiliza escalas de percepção, como a Escala de Status de Recuperação Percebida (PRS), no início da sessão para modular o treino.
O estudo em questão utilizou o PRS para ajustar o volume de treino (número de séries).
A Periodização Mista por Sessão (MSP)
A Periodização Mista por Sessão (MSP) é um modelo que se tornou popular entre atletas de força e potência.
Caracteriza-se pela inclusão de diferentes focos de treinamento (potência, força máxima e hipertrofia) dentro de uma única sessão de treino.
O treino progredia de exercícios de potência com carga moderada e intenção explosiva, para exercícios de alta intensidade, e depois para exercícios de alto volume e intensidade moderada.
A intensidade em ambos os grupos (MSP e AMSP) foi definida pelo método de Repetições em Reserva (RIR), garantindo que a falha volitiva não fosse atingida.
O Desenho do Estudo: A Comparação AMSP vs. MSP
O objetivo da pesquisa foi comparar os efeitos de 10 semanas de AMSP (autoregulada) com o MSP regular, focando em força, potência e tamanho muscular em homens experientes em treinamento de resistência.
Os Participantes e o Treinamento
24 homens treinados foram divididos em dois grupos: AMSP (Autoregulated Mixed Session Periodized, n=13) e MSP (n=11).
Ambos os grupos treinaram 5 dias por semana por 10 semanas, realizando os mesmos exercícios.
A diferença crucial residiu no grupo AMSP, que utilizou uma escala de recuperação percebida (PRS) no início de cada sessão para ajustar o volume de treino individual (número de séries).
Variável Chave: Volume de Treino
No grupo AMSP, a escala PRS (0-10) ditava as variações no número de séries para os exercícios de força máxima e hipertrofia:
PRS Alto (7-10): Adição de 1 ou 2 séries extras para cada foco.
PRS Intermediário (4-6): Nenhuma alteração no programa (volume prescrito).
PRS Baixo (0-3): Redução de 1 ou 2 séries para cada foco.
Os Resultados do Treinamento: Sem Benefícios Adicionais da Autoregulação
A hipótese dos pesquisadores era que a autoregulação otimizaria as adaptações ao gerenciar a fadiga. No entanto, os resultados não confirmaram essa expectativa.
Volume de Treinamento e Carga da Sessão
Curiosamente, o grupo AMSP apresentou um volume de treino total significativamente maior (p < 0.001) em comparação com o grupo MSP regular. O AMSP completou 7,4% a mais de volume total (em kg).
AMSP: 8.519,9 ± 901,2 repetições.
MSP: 7.893,0 ± 267,8 repetições.
Apesar do aumento no volume total, não houve diferença significativa na carga média por sessão. Isso sugere que o volume extra foi bem tolerado pelos indivíduos do AMSP.
Força Máxima e Potência
Ambos os grupos foram eficazes em aumentar a força máxima da parte superior e inferior do corpo (1RM no supino e agachamento).
Contudo, não foram detectados benefícios adicionais da autoregulação baseada na recuperação percebida em nenhuma das medições de força ou potência avaliadas.
Não houve interações significativas de grupo x tempo para 1RM no supino ou agachamento.
Não houve interações significativas para o arremesso no supino (potência) ou salto com contramovimento (CMJ).
Hipertrofia e Composição Corporal
O AMSP também foi igualmente eficaz ao MSP para o aumento da espessura muscular (MT) da parte superior (peitoral, trapézio, bíceps) e inferior do corpo (vasto lateral, vasto medial), bem como para o aumento da massa magra.
Nenhuma interação significativa de grupo x tempo foi encontrada para o MT de nenhum dos músculos avaliados ou para a massa livre de gordura.
Por Que o Volume Extra Não Trouxe Benefícios Adicionais?
O resultado principal do estudo é claro: embora a autoregulação tenha levado a um volume de treino total maior, esse volume extra não proporcionou adaptações adicionais ao programa MSP de 10 semanas. Os ganhos em força, potência e tamanho muscular foram semelhantes em ambos os grupos.
Fatores Chave na Interpretação
1. Sobre-estimação da Recuperação Percebida
Os pesquisadores sugerem que os indivíduos podem ter superestimado seu status de recuperação física ou subestimado sua Percepção de Esforço da Sessão (sRPE).
Altas pontuações na escala PRS levaram a aumentos no volume, indicando que os participantes se sentiram capazes de fazer mais.
Como a motivação está fortemente associada ao comportamento de treino , entusiastas do treinamento de resistência podem superestimar sua recuperação percebida.
2. Efetividade Intransigente da MSP
A MSP já se mostrou um paradigma de treinamento altamente eficaz. A variação frequente dos estímulos dentro de cada treino (potência, força, hipertrofia) parece ser altamente efetiva para estimular ganhos máximos de força e crescimento muscular, mesmo sem a autoregulação do volume.
3. Limitações da Autoregulação Aplicada
O estudo utilizou uma abordagem pioneira ao combinar a autoregulação da intensidade baseada em RIR com a autoregulação do volume baseada na PRS.
As variações no número de séries (o ajuste de volume) foram decididas arbitrariamente pelos investigadores no início do estudo.
Em essência, a autoregulação, ao permitir mais volume, apenas resultou em um esforço extra sem retorno adicional em termos de hipertrofia ou desempenho.
Implicações Práticas para o Treinamento
Os resultados deste estudo oferecem orientações valiosas para treinadores e atletas que buscam otimizar seus programas de treino:
A Periodização Mista (MSP) é Eficaz: O programa MSP regular demonstrou ser altamente eficaz por si só para aumentar força, potência e hipertrofia em homens treinados em um período de 10 semanas.
Autoregulação Subjetiva Deve Ser Criteriosa: A autoregulação subjetiva do volume, embora seja uma estratégia válida, não oferece benefícios adicionais quando aplicada a um programa MSP com autoregulação de intensidade (RIR).
Cautela com o Aumento de Volume: Alterações no volume de treino baseadas na recuperação percebida devem ser cuidadosamente selecionadas. O aumento de volume sem critério pode levar a um esforço não funcional (esforço extra sem adaptação correspondente), mas que é bem tolerado.
Foco no Básico: Se você está seguindo um programa bem estruturado com intensidade regulada por RIR, ajustar o volume com base na sensação de recuperação pode não ser necessário para otimizar seus resultados em curtos e médios prazos.
Em resumo, enquanto a autoregulação é uma ferramenta poderosa para gerenciar a fadiga e otimizar o estímulo de treino, neste formato específico (PRS-baseado no volume), ela se mostrou apenas um aumento de esforço que não potencializou os ganhos já robustos entregues pela eficiente Periodização Mista por Sessão (MSP).
REFERÊNCIA: Bartolomei S, Francesco L, Latini D, Hoffman JR. Autoregulation Does Not Provide Additional Benefits to a Mixed Session Periodized Resistance Training Program in Trained Men. J Strength Cond Res. 2024 Sep 1;38(9):1535-1542. doi: 10.1519/JSC.0000000000004836. Epub 2024 May 30. PMID: 38814694; PMCID: PMC11343444.