A Verdade Chocante Sobre Alongamento e Dor na Virilha em Atletas: O Que a Ciência Realmente Diz
A dor ou lesão na virilha (DLV) é uma condição frustrante e extremamente comum que afeta atletas de todas as modalidades. No campo, na quadra ou na pista, esse problema pode afastar o esportista por semanas ou meses. O senso comum e a prática clínica tradicional frequentemente apontam o alongamento como um pilar fundamental na recuperação e reabilitação da DLV. Afinal, se a falta de flexibilidade está associada à lesão, não seria lógico que alongar ajudasse a curar? Contudo, uma revisão sistemática crítica e rigorosa, conduzida por cientistas do esporte, lança uma bomba sobre essa crença generalizada. Eles buscaram o que há de mais sólido em evidência clínica — os Ensaios Controlados Randomizados (ECRs). O resultado dessa busca exaustiva, que percorreu dez bases de dados científicas globais? Zero estudos elegíveis. Isso significa que, atualmente, a eficácia do alongamento como fator isolado na recuperação da DLV em atletas é completamente desconhecida.
Lino Matias
12/9/20255 min read


O Drama da Lesão na Virilha no Esporte (DLV)
A dor na região da virilha é um verdadeiro pesadelo para quem vive do esporte. É uma condição comumente descrita e que tem alta incidência em diversos níveis de competição.
Em esportes de alto impacto e mudanças de direção rápidas, como o futebol (soccer), a taxa de lesão pode ser alarmante. Para os homens, as incidências são altas, mas o problema pode afetar até 40% das jogadoras de futebol feminino.
O Problema Comum da Pubalgia
O termo DLV é um conceito guarda-chuva. Ele engloba uma série de processos patológicos distintos e com causas multifatoriais.
Isso torna a interpretação da literatura complexa e desafiadora.
As diferentes causas da pubalgia, por exemplo, ou de uma tendinopatia do adutor, exigem abordagens terapêuticas específicas.
Apesar da complexidade, a reabilitação visa principalmente a remissão dos sintomas. O foco é sempre o retorno seguro e rápido ao esporte de alto rendimento.
Alongamento: O Tratamento 'Padrão' Sem Evidência de Ouro?
Muitos programas de recuperação para DLV incluem o alongamento. Essa prática é amplamente aceita no ambiente clínico e esportivo.
Essa aceitação decorre de uma lógica biológica e de correlações observadas.
A Racionalidade Clínica por Trás do Alongamento
Historicamente, a baixa flexibilidade dos adutores tem sido correlacionada com um risco aumentado de desenvolver dor e lesão na virilha. Portanto, a hipótese é que alongar ajudaria.
Os mecanismos propostos para que o alongamento ajude a aliviar os sintomas e acelerar a recuperação incluem:
Melhora da Amplitude de Movimento (ADM) do quadril: O aumento da flexibilidade pode otimizar a mecânica da articulação.
Redução da Rigidez Muscular: Diminuir a tensão nos músculos adutores pode reduzir a dor.
No entanto, há que se notar um detalhe crucial : o treinamento de força também pode melhorar a ADM.
A questão central não é se o alongamento tem efeitos, mas se ele é o fator decisivo na cura da DLV.
A Busca por Evidência "Isolada"
A maioria dos programas de reabilitação é multimodal. Eles combinam diversas intervenções, como:
Alongamento (Stretching)
Treinamento de Força
Exercícios de Equilíbrio
Treinos Aeróbicos
Terapias Manuais
Se um atleta melhora com um programa multimodal, como saber qual componente, de fato, contribuiu para a melhora?
Para isolar o efeito do alongamento, os pesquisadores precisavam de ECRs onde um grupo fizesse uma intervenção base com alongamento e o grupo comparador fizesse a mesma intervenção base sem alongamento.
Somente assim o alongamento seria o fator diferenciador. Programas como Pilates ou Yoga foram excluídos, por exemplo, por serem inerentemente multimodais (força + alongamento + equilíbrio).
O Vazio Científico: A Revisão Sistemática "Vazia"
A metodologia da revisão sistemática foi robusta e sem restrições. O objetivo era encontrar qualquer ECR que comparasse o alongamento, de qualquer tipo (estático, dinâmico, FNP, etc.), com um grupo controle que não o fizesse.
A busca foi realizada em grandes plataformas como PubMed, Cochrane Library, SPORTDiscus e Web of Science.
A Conclusão Inesperada
Após encontrar 117 registros e eliminar duplicatas, os pesquisadores analisaram 52 títulos e resumos. Destes, apenas três artigos pareciam promissores e foram analisados na íntegra.
Todos os três foram excluídos. Por quê?
Em um estudo, os participantes não tinham DLV ou os resultados principais não estavam disponíveis.
Nos outros dois, o alongamento não era o único fator de diferença entre os grupos.
O resultado foi uma revisão sistemática "vazia".
A Falta de Evidência de Ouro
O achado é surpreendente, considerando o quão comum é o uso do alongamento. A conclusão, portanto, é objetiva: não existe evidência de alto nível (ECRs) que apoie o uso isolado do alongamento para recuperação ou melhora da DLV em atletas.
Os autores, inclusive, tentaram quebrar o protocolo e buscaram estudos de baixa qualidade (séries de casos ou não-randomizados), a posteriori, e ainda assim não encontraram suporte conclusivo.
Em casos observados, o alongamento (como FNP) era sempre misturado a outras terapias:
Mobilização de tecidos moles
Terapia manipulativa espinhal
Treinamento isométrico de força
Assim, era impossível definir a contribuição específica do alongamento.
O Que Funciona Enquanto Não Há Provas?
Embora o alongamento não tenha sua eficácia isolada comprovada por ECRs, a ciência não está de mãos vazias em relação à reabilitação da virilha.
Foco na Força e Coordenação
Há evidências robustas de que os exercícios de força e coordenação são eficazes para a recuperação da DLV, resultando em sintomas reduzidos e menor tempo de retorno ao esporte.
Muitos profissionais confiam em protocolos de exercícios que visam fortalecer e coordenar a região central do corpo.
O que esses protocolos eficazes geralmente incluem:
Treinamento de Força: Focado no quadril, pelve e abdômen.
Exercícios de Coordenação: Para melhorar o controle motor da região.
Treinamento de Equilíbrio: Essencial para atletas.
Programas como as variações do Protocolo Hölmich são intervenções baseadas em força, coordenação e equilíbrio, e mostram-se promissoras na resolução da DLV de longo prazo em atletas.
Implicações Práticas e Próximos Passos na Reabilitação
O fato de uma revisão ser "vazia" não é um fracasso; é um chamado à ação para o mundo da pesquisa.
A Decisão do Profissional de Saúde
É fundamental entender a diferença entre os conceitos científicos:
“Falta de evidência de um efeito” não é o mesmo que “evidência de falta de efeito”.
Ou seja, não se pode dizer que o alongamento é ineficaz, apenas que não há provas de sua eficácia como fator isolado.
O uso do alongamento no contexto da DLV não é um conceito novo. Contudo, enquanto não houver evidências mais sólidas, a comunidade clínica deve ser cautelosa.
Se uma intervenção unimodal (apenas força) for tão eficaz quanto uma multimodal (força + alongamento), adicionar o alongamento pode ser apenas um desperdício de tempo e esforço para o atleta.
Um Chamado à Pesquisa
A revisão sistemática cumpriu um papel importantíssimo ao expor uma lacuna gigantesca no conhecimento.
Ela refuta a ideia de que a prática clínica tradicional é sempre sustentada pela ciência.
O futuro da reabilitação da DLV depende da realização de novos ECRs. Estes estudos precisam, urgentemente, randomizar atletas com DLV em grupos onde o alongamento seja o único fator diferenciador.
Essas pesquisas são viáveis e seguras, e são a única forma de guiar a prática clínica com base na ciência de maior qualidade.
A ciência revela que a crença na eficácia isolada do alongamento para dor na virilha em atletas é, na verdade, uma área de conhecimento incompleto. Enquanto os ECRs não chegam, o foco no treinamento de força, coordenação e equilíbrio permanece como a estratégia de reabilitação mais bem suportada. Profissionais de saúde e atletas devem reconhecer essa lacuna e exigir mais pesquisa de alta qualidade para otimizar o processo de recuperação.
REFERÊNCIA: Afonso J, Claudino JG, Fonseca H, Moreira-Gonçalves D, Ferreira V, Almeida JM, Clemente FM, Ramirez-Campillo R. Stretching for Recovery from Groin Pain or Injury in Athletes: A Critical and Systematic Review. J Funct Morphol Kinesiol. 2021 Aug 30;6(3):73. doi: 10.3390/jfmk6030073. PMID: 34564192; PMCID: PMC8482255.